terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Ministério Da Discórdia: Black Sabbath brasileiro?



Por Vitor Franceschini      

O Ministério da Discórdia é formado por Mauricio Sabbag (vocal/guitarra), Carlos Botelho (baixo) e Inacio Nehme (bateria). Sua história soa comum na cena, isto é, surgiram fazendo covers e depois resolveram apostar na música autoral. O diferencial é que o power-trio, apesar da escola das versões, mostrou uma identidade muito forte em seus dois lançamentos que culminam num full auto-intitulado de 2013 e um EP, “Abismo”, lançado em 2016. Para falar sobre estes e outros assuntos, Maurício e Inacio responderam às perguntas do ARTE METAL, inclusive a que fala sobre a banda ser o Black Sabbath brasileiro.

São dez anos de carreira com um álbum e um EP lançados. Não acham muito pouco para os dias de hoje apenas dois trabalhos no mercado? (risos)
Inacio: Acho que sim! Passamos muito tempo fazendo cover na noite, depois começamos a mesclar as autorais... Quando resolvemos dizer “chega” para cover já tinham se passado uns 5 anos!

Aliás, como vocês vêem o primeiro disco, “Ministério da Discórdia” (2013) atualmente e por que este trabalho saiu somente depois de seis anos da banda formada?
Maurício: É um álbum rústico, direto, seco, honesto. Nesses seis anos, nós testamos as músicas próprias em bares, misturando no meio de um repertório com músicas das grandes bandas inglesas setentistas. Quando percebemos que algumas pessoas prestaram atenção em nossos sons sem passar mal ou nos xingar, ousamos aumentar a quantidade de músicas autorais ao vivo. Mas ainda faltava que decorassem as letras e isso só aconteceu, de fato, após gravarmos e divulgarmos.
Inacio: Passamos muito tempo fazendo cover, tentando achar a nossa própria identidade, mas em um processo relativamente lento.

Falando da transição deste trabalho para o atual EP “Abismo” (2016), quais as principais diferenças entre os dois discos?
Inacio: Eu acredito que o “Abismo” seja mais maduro. Nele conseguimos colocar as composições do jeito que queríamos e o processo de gravação ocorreu de forma mais tranquila.
Maurício: No “Abismo” nossa técnica evoluiu um pouco. Perdemos o medo de nos aventurar por caminhos que fogem um pouco do "metalzão". Nos ensaios rolava Tim Maia, Mutantes, Ramones, uns blues e até umas tentativas frustradas de jazz.

Falando do “Abismo” em si e até da sonoridade da banda de uma forma geral, vocês trazem influências naturais de Black Sabbath e seus discípulos. Porém o Ministério da Discórdia mostra um lado mais enérgico e divertido de certa forma. Vocês concordam com essa definição? O que podem falar a respeito?
Maurício: Interessante você dizer "divertido", pois tinha gente que nos associava ao Punk Rock. Quando começamos eu não gostava quando diziam isso, mas com o passar do tempo mudei de opinião e descobri o caminho da luz. Hoje reconheço a genialidade de quem cria músicas fantásticas com poucos acordes, como faziam o Johnny Ramone e o Lemmy, e acho que o Ministério da Discórdia logo terá repertório que poderá encaixar em eventos desse estilo.
Inacio: A gente não se prende ao sindicato sabático na hora de escrever ou criar um som. Temos uma série de influências diferentes na banda que acabam mexendo com o trabalho. Adoramos Doom, Stoner e outros estilos de Metal, lógico, mas as coisas vão evoluindo naturalmente e sem esse tipo de amarra.

No disco, as mudanças de direção, variação rítmica e viradas insanas são outros pontos fortes da banda, que além de tudo consegue investir em uma melodia diferenciada e densa. Isso é complexo, mas é feito de forma natural no trabalho. Qual a preocupação de vocês com a sonoridade do disco para que ela seja mais digerível para o ouvinte?
Inácio: Talvez seja por isso que lançamos poucos álbuns! (gargalhadas). Tentamos sim, fazer um som que seja digerível, de certa forma. Foi uma opção, desde o começo, manter o vocal limpo para que as pessoas entendessem a letra de verdade. O resto, em termos de levadas/estruturas são parte do processo criativo... Só termina quando sabemos que o que queremos realmente está ali.
Maurício: Tem muita banda de Metal que camufla as letras das músicas embolando tudo com uma super distorção de guitarras porque realmente não tem o que dizer ou mesmo por que não está segura da mensagem que quer transmitir. Nós fazemos o possível para que o ouvinte reconheça em seu subconsciente que estamos tratando de assuntos relevantes que são de seu interesse.

Foto: Leandro Medina


Vocês optam por cantar em português. Mesmo que hoje em dia a língua pátria apareça mais dentro do Rock / Metal, ainda há certa resistência por parte disso. Por que acham que isso acontece?
Maurício: Grande parte da resistência ocorre não por preconceito, mas sim por "pósconceito". Na década de 80 e 90 teve muita banda brasileira de Metal com vocalistas que tentavam imitar a fonética inglesa e estadunidense cantando em português. Era forçado demais. Soava estranho e, pra piorar, insistiam em temáticas clichês ocultistas, satanistas, com incitação ao assassinato e coisas do tipo: energia ruim. Já as bandas de Metal da Argentina, mesmo no início da década de 80, já cantavam em espanhol sem ficar algo forçado e chato, com mais criatividade e maior qualidade técnica.
Inacio: O Metal veio de fora e é natural que as pessoas vão atrás do que está fazendo sucesso em outros países, sendo que essa galera toca em inglês, na sua maioria. Nós decidimos nos propor ao desafio de provar que dava para fazer Metal em português aqui no Brasil e com algum tipo de mensagem que as pessoas pudessem refletir. Sabe, proposta, existe! Se a pessoa quiser procurar e dar uma chance, estamos aí.

E qual mensagem vocês procuram passar com suas letras?
Inacio: Sobre as letras que eu escrevi posso dizer que vieram de inspirações distintas, experiências que presenciei e leituras que fiz sobre alguns padrões, especialmente sociais... Eu procuro abrir um espaço maior pra discussão de idéias...
Maurício: O Ministério fala sobre as coisas da vida... e da morte. Do espírito também. A indignação com as injustiças arde muito mais quando elas acontecem conosco. Eu, Inácio e Carlos já passamos por muitas situações de repressão por sermos como somos, e eu gosto de pensar que o que escrevo representa um manifesto, uma resposta, uma tese para esfregar na cara de quem oprimiu a nossa laia. Gostaria que as letras ajudassem na luta contra a crise cultural, mas também podem ser somente devaneios paralelos.

Vocês disponibilizaram “Abismo” digitalmente em diversas plataformas, inclusive música por música individualmente. Claro que hoje em dia é essencial estar em paralelo com o mundo virtual. Mas qual a opinião de vocês em relação a essas plataformas e este novo formato de consumo de música? Quais as vantagens e desvantagens?
Inacio: As vantagens são óbvias se considerar a abundância de material e facilidade de acesso. As desvantagens são as propagandas irritantes e incessantes. A verdade é que a mídia física já seguiu o caminho do vinil: virou artigo de colecionador.

Lá se foi um ano do lançamento do EP. Como vocês vêem o disco atualmente e qual a repercussão de “Abismo” entre a mídia e o público?
Inacio: Recebemos críticas positivas de “Abismo”. As pessoas entram em contato direto com a banda via Facebook para comentar também e isso é excelente. É claro que o aporte de divulgação ainda é muito menor do que queremos, mas chegaremos lá um dia.
Maurício: Nós, da banda, ainda estamos afundados nesse “Abismo”, no bom sentido. Logicamente nos orgulhamos de todo o esforço e empenho, mas o melhor ainda está por vir. Gostaríamos de mais oportunidades de mostrar nosso trabalho para um público maior, mas admitimos que permanecemos na mendicância cultural. Quem ouviu, deu uma chance, gostou.

Há algum tempo a banda está preparando o DVD “Por Bares e Becos”. Por que a banda optou por já lançar um material neste formato e o que o trabalho irá trazer?
Maurício: Ao vivo é mais energético, mais legal.

Aliás, há quantas andas o processo de produção do DVD e qual é a previsão de lançamento do mesmo?
Maurício: Sem previsão ainda, mas esse show que fizemos em Osasco em 2015 está gravado, foi irado, e é um registro fantástico. Infelizmente, o governo usou a crise atual para justificar o corte de verbas para o Ministério da Discórdia...

Por fim, qual é a dessa de “Black Sabbath brasileiro”? Não é muita responsabilidade não? (risos)
Maurício: Não somos dignos. Na verdade quem começou foi o Roberto Bíscaro, que publicou um artigo dizendo que éramos discípulos do Sabbath... Mas não podemos negar que ficamos muito felizes com a comparação, afinal somos todos fãs. Sonho com o dia em que serei convidado pelo Iommi para cantar, mas não esperarei sentado (risos).


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